terça-feira, 28 de setembro de 2021

Um texto perdido

 Acho que todos, creio eu, dizendo melhor, alguns, não conseguem viver tudo o que gostariam, pela falta de coragem ou pelo excesso de medo. O resultado não seria a incapacidade de não conseguir viver o bastante, e sim a preguiça que se manifesta com entardecer da vida e a tranqüilidade das circunstâncias, pois a respiração ainda não está ofegante e  esperam chegar ao fundo do mar para voltarem a respirar e lutarem pra viver.

O agonizante não é perceber que existiu por um difuso e inexistente período, no qual passou por múltiplos lugares e olhares, e sim se terá tempo  de fazer  algo indiferente antes que o prazo esgote.

O desespero envolve como  estivéssemos ligados a um cronômetro e o mundo tivesse tempo para uma eternidade, e ficamos procurando com anseio algo que nos preencha, como se o externo mudasse algum sentimento do que teríamos sentido antes.


(escrito perdido de uns anos atras)

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

Maternidade





A maternidade é doar-se inteiro,
A carne, a alma,
A mente tenta manter-se intacta
Pois está sempre em alerta e inquieta
Num corpo tão cansado,
Que esconde as dores em sorrisos.
A maternidade é ser governado,
Ter o sono roubado, e se tornar um velho ditado.
A maternidade é uma ambiguidade bipolar
Que chora de raiva e amor,
O coração para e apressa,
O desejo de passar depressa,
Alguns detalhes quer sem pressa
Com o tempo que resta,
Mas a vida se empresta
E o desespero se arresta
Com o amanhã incerto,
Mas o amor contesta,
E acalma o aperto.

O aleitar



Meu novo perfume é leite,
É nutriente,
É doce
Pra que meu filho deleite.
Foi dúvida de sustento,
Um amargo que passou no peito,
A ansiedade que vestiu o leito,
Mas virou água e alimento.
Flui minha alma entre seus lábios,
Acalenta e dilata sua pele,
Vai esticando, vai estendendo,
Seus pés, suas mãos,
Quando foi que cresceu assim?!
Quando foi que te vi assim?!
Já desisti e persisti,
Os prantos como gatos noturnos
Saíam fazer festa em meu rosto,
Bagunçavam minha feição,
Mas retornavam a luz do dia,
E nada tinha acontecido,
Renascia e renascia,
E continuo renascendo.
O aleitar
É nutrir livremente e se desnutrir mentalmente,
Um desgaste que vem e vai embora,
Mas depois você enxerga sua alma entregue
Em outro corpo e nada de si importa,
A dor não importa,
O sono não importa,
Pois é a maior prova de amor
Onde duas almas se encontram
E se tocam.

sábado, 3 de julho de 2021

Combustão

 

Ela dói,

É prazerosa,

É sádica.

 

Ela arde,

Vicia,

É masoquista.

 

Ela é gelo que queima,

Queima só por baixo,

Uma cinza intacta

Que não desmancha,

Mas mancha o sangue,

Escurece e escurece.

 

É combustão da alma

Que inflama a pele,

O ar crema todas as células.

 

A fumaça podre alastra sob a carne

É irrespirável.

O oxigênio cava e faz cócegas de dor,

O sopro arde.

Enigma de luz

 

Há sinos de desespero tocando

E chamando minha alma

Invadindo minha psique

Deteriorando minha esfinge

Mas, sem decifrar-me

Logo, os devoro

Pois, a luz que cresce dentro do meu ventre

Cria enigmas indecifráveis

Silenciando-os outra vez.

Indiferente

 

Manifesta-se uma interpretação de estranheza,

A alma indiferente num mundo alheio

Uma mistura de egoísmo e solidão

Vencida pela apatia do anseio.

Lembranças estranhas que cruzam a mente,

Elas mentem?!

Quem sou eu?

Quem é o estranho ao meu lado?

Quem são vocês de olhar afiado?

Um demasiado medo de mudanças                                                                   

Carrega a incerteza em forma de lança

Que penetra e oxida o âmago da minha existência.

Onde está o sentimento de pertencer a algum lugar?

De ter um colo?

Do direito em estar triste?

De merecer os sentidos das minhas palavras?

Elas perderam seus significados?

Uma mão de desespero aperta a garganta,

Sinto a pulsação dilatar em toda minha superfície,

Latejando e rastejando.

É tudo um grande circo

Do qual sou o palhaço triste

Que faz a platéia rir.

Minhas lágrimas matam a sede dos outros

E mal sabem eles que vou me afogar com elas depois.

Quanto mais perto de me encontrar

Mais longe estou,         

De tal modo que o Eu que me pertence

Acaba tornando a parábola do porco-espinho.