quarta-feira, 1 de julho de 2015

Augusta tem medo de mim

Obs: Aqui vai o começo de como ta ficando o livro.. ainda vou arrumar várias vezes...



Capítulo 1 Regressão
“Ontem tive confusão mental, eu estava morrendo. Ardência banhava meu corpo, nas costas principalmente, como se meu corpo estivesse nu e queimando no gelo. Meu cérebro não pertencia mais a mim, ele estava governando meu corpo, fazendo-o violentar minha profundeza. Então, me abracei e penetrei minhas unhas alongadas em meus braços. A tentativa era que meu cérebro voltasse para meu controle, que a dor o chamasse de volta. O coração latejava de uma forma agonizante, e a agonia o fazia pulsar mais depressa. Eu apenas queria sobrevier a aquele momento, seria ridícula a loucura me matar. Assim, acordei no começo da noite passada. Tomei uma garrafa de água e voltei a dormir.” Esta foi apenas mais uma crise.
Augusta, meu pedaço de fraqueza. Adoraria abraça-la e em meus braços protege-la. Ela tem medo de misturar leite com manga, tem medo de ser enterrada viva. Augusta quer morrer, porém tem medo da morte. Quero ser a mãe dessa criança desprovida.
Agora vou contar a história da minha criança, que meu eu adulto tenta resgatar. Augusta nasceu do ventre de Catarina, casada com Artur. Carregava em sua barriga um pedaço de agonia, um feto rememorando dor e saudade.         Um acidente de carro estava corroendo a gravidez. Fazia um mês que o irmão de Augusta havia morrido num acidente de carro. Seus pais capotaram numa curva e o menino já sem vida recebia os gritos de sua mãe. Então, um mês depois Augusta causou mais dor.
Catarina então, se tornou uma mulher deprimida e suicida. Artur trabalhava intensamente durante o dia, e a noite não parava em casa, queria distancia de sua mulher insuportável. Talvez, tivesse outras mulheres que fossem mudas. Ele só queria silêncio depois de um dia de trabalho. Augusta ficava na sala esperando seu pai chegar, era um bêbado desconhecido que lhe causava medo. Ela era tão pequena. Só foi uma fase.          Augusta agora tinha quatro anos, mimada pelo seu pai Artur. Sua mãe uma louca desprovida só chorava e falava em se matar, ela causava receio e desconforto.
Numa tarde ensolarada e silenciosa, a menina Augusta ouviu lamúrias no andar de baixo de sua casa, era um engasgo de gritos que embrulhava seu estômago, uma dor que rasga os ouvidos. Assustada desceu as escadas numa delicadeza, como se estivesse pisando em algodões. Sua mãe estava sentada num sofá branco da sala, com os olhos inchados e vermelhos de tanto chorar, seu olhar soava para Augusta como se tivesse culpa.  Imóvel diante a sua mãe, a única coisa que a confortava naquele momento era seus pés descalços sob o chão quente da sala, que se mantinha aquecido pelo sol que tocava pela manhã, não obstante, tentava digerir aquele gemido de choradeira que a queimava inteira por dentro. Augusta esperou cinco minutos, e subiu para seu quarto. Um quarto preenchido por bichinhos de pelúcia, descansados nas prateleiras infestadas de poeira. As paredes decoradas com papel de parede, com algumas manchas de cola de adesivos que foram arrancados por estarem velhos, que ela costumava grudar. Deitou-se em sua cama, e enquanto olhava a parede seus olhos vagarosamente começaram a lacrimejar. Várias lembranças estavam borbulhando seu cérebro, como brigas de seus pais, gritarias de sua mãe, brigas de sua mãe com a sua avó e sua tia. Resumindo, Catarina tinha problemas emocionais com várias pessoas próximas, porém era muito amada por todos, mas era uma convivência muito difícil. Uma mulher peculiar e inesperada.  
Para a prova de seu gênio difícil, encontrei um pedaço de papel em que Augusta escreveu um desabafo e dizia o seguinte;
Tenho quatro anos, estou com meus pais na cidade e casa de minha avó. Aqui mora com ela minha tia Maria, que eu adoro muito, meus primos que sempre brinco e também às vezes brigam comigo. Hoje fizemos uma casinha com lençóis velhos da vovó, pegamos cadeiras e varais e montamos nossa casinha. Ontem fizemos um túnel do terror com caixas de papelão, confesso que fiquei com medo. Meus primos são meus melhores amigos, são meus irmãos mais velhos. A Ângela é mais velha, é a que eu mais discuto, mas sei que é briga de irmão, o mesmo às vezes acontece com o meu primo Willian, que é um ano mais velho que eu. A pior hora é quando meus pais me chamam para ir embora, eu sempre choro e quero ficar mais, pois só os tenho de amigos. Sou feliz aqui. A vovó às vezes pega um pedaço de varinha que costuma guardar em cima da estante da cozinha, para assustar a gente, pois aprontamos muito por aqui, de exemplo bagunçamos sempre a sala, e o que mais a deixa furiosa é quando eu e meu primo brincamos com armas de brinquedo que ela esconde.
Mas, o que aconteceu hoje a noite não foi agradável. Mamãe e titia brigaram feio, eu não sei certa a discussão, mas minha mãe saiu correndo atrás dela pelo pátio da casa, eu acho que brigaram também fisicamente, puxaram-se os cabelos, vovó ficou perplexa. Depois ficou tudo bem. Durante a tarde mamãe chorava e lembrava-se do acidente que tirou a vida do meu irmãozinho que agora é a maior estrela do céu. Eu nunca entendi certo porque ela chora desde que eu nasci, fazia quase cinco anos, e essa dor virou minha também. Eu ultimamente também choro pelo meu irmãozinho, e nem o conheci. Mamãe fala com agulhas nas palavras, acho que não tem mais espaço no meu corpo para cravar mais uma. Logo, hoje a ouvi dizer com muito sofrimento:
- Por que Deus? Por que Deus tinha que levar meu menino senhor? Por que eu não morri no lugar dele? Isso é tão injusto, deus! Por quê?
(Disse mamãe com as palavras arranhando sua garganta, gritando num tom médio, que deixou todos num estado de tristeza). Não foi primeira vez que a ouvi expor aquilo.

            O sol começava a bater na janela do quarto de Augusta, foi quando seu pai a acordou. Estava na hora de se arrumar e ir à escola. Permaneceu mais alguns minutos deitada enquanto seu pai tomava banho. Ouvia todas as manhãs o mesmo som do chuveiro ligado, uma água que escorre num som tranquilo, um som que cruzava pela parede entre seu quarto e o banheiro de seus pais. Quando o chuveiro desligava sabia que era a hora de levantar. Seu Artur a levava todos os dias para a escola e depois seguia rumo ao trabalho.
A rotina era fazer um desjejum todos os dias na mesma panificadora. Ficava em baixo de um prédio antigo de quatro andares que eles haviam morado há um ano. Era no último andar do prédio em que Augusta presenciava a chegada tardia de seu pai.
O pedido era o mesmo de todas as manhãs, a menina pedia um leite com achocolatado, e seu pai um café com leite. A tal da cueca virada, um doce feito de massa de farinha de trigo e ovos, depois de frita polvilhada no açúcar, era o desjejum de Augusta nas manhãs. A cada mordida a massa desmanchava na boca, amaciando na saliva e achocolatado quente que colocava na boca. 
Augusta estudava num colégio próximo ao Zoológico e lago municipal. Um lugar bem verde e arejado. Algumas vezes os professores levavam os alunos nesses passeios aventureiros, e se tornava vantagem estudar a um quarteirão daqueles belos lugares.
Durante a manhã na escola, algum de seus coleguinhas comentou que sempre brincava com o pai, jogava xadrez, damas e dominó. Isso fez com que ela sentisse um leve pontapé no estômago, estava com inveja.
Já era finalzinho da tarde de quinta-feira, o sol estava deixando os cômodos da casa num tom alaranjado, talvez amarelo. Augusta estava sentada no chão marrom de seu quarto, e à sua frente um tabuleiro de jogo de damas aberto sob o chão, mas ela não tinha com quem brincar. Apesar de seu pai ser muito unido a ela, muitas vezes se tornava ausente. Estava atenta esperando ouvir os barulhos do molho de chaves de seu pai, que tinha costume de pendurar do lado da calça jeans. Aquilo fazia um barulho como se fossem sinos de metal se debatendo, era fácil identifica-lo antes mesmo de o ver. Já sabia que seu pai estaria por perto.  E não deu outra, ouviu-se a porta da sala de madeira pesada bater e tremer as paredes da casa. E os sinos das chaves já contaram que Artur havia chegado do trabalho. Ajeitou o tabuleiro e aguardou seu pai subir aquelas escadas rangentes.
- Pai, quer jogar Damas comigo?
O pai respondeu num tom de cansaço e sem ânimo:
- Ah filha, papai está cansado, deixa para outro dia. Chama sua mãe para jogar.
- Ela não quer. E quero jogar com você. (Fez um olhar tristonho)
- Está bem Guta! Só uma vez. Tenho que tomar banho e deitar descansar.
Augusta estava feliz pela aceitação, mas queria mais tempo com seu pai, durou tão pouco.
Por vários dias seguintes tentava chamar seu pai para brincar e na maioria das vezes não era atendida. Ficava matutando que só ela tinha um pai ausente, mas isso não é verdade.
O entardecer da noite se aproximava, e Augusta começava ficar angustiada, tinha medo de dormir, não gostava do escuro, pois imaginava seres assustadores a visitando durante o sono. Ela sempre dormia em sua cama de costas para a parede, tinha medo que alguma coisa a apunhalasse, assim acreditava poder intimidar seus medos. Dormia sempre com a luz do banheiro do corredor ligada, assim iluminava também seu quarto. Muitas vezes a luz do quarto é que mantinha acesa. Já aconteceu de acordar no desespero durante a noite quando estava tudo escuro. Isso acontecia porque seus pais muitas vezes acordavam madrugada para desligar as luzes. Quando acontecia, ela gritava de medo e raiva por ter que passar aquilo. Por essas razões muitas vezes colocava um colchão do lado da cama de seus pais e ali dormia.
Os pais estavam evitando que sua filha se tornasse uma medrosa, e por isso começaram a negar que ela dormisse no quarto com eles. E ela sempre dava um jeito de se aproximar. 
Naquela noite de quinta-feira, pediu para dormir na cama junto com seus pais, mas o pedido foi recusado. Então, esperou eles dormirem e logo, foi deitar ao lado da cama deles, aproveitando que a porta do quarto estava aberta. Deitou-se no chão frio, sem barulho, quase sem respirar de tão silenciosa que se aconchegou ali. Noites assim de repetiram muitas e muitas vezes.
Catarina e Augusta foram sábado ao mercado fazer compras do mês. Outro medo que a menina tinha era de se perder dentro do mercado e perder sua mãe de vista. E isso já havia acontecido nas outras visitas ao mercado. No meio do mercado havia uma pequena barraca vendendo pipoca, aproveitaram a finalização das compras para a casa e pediram um saquinho de pipocas salgadas. No carro Augusta comentou:
-Mamãe, tem muito sol nesta pipoca. (Ela queria dizer sal, mas não conseguia pronunciar a palavra).
Catarina não acreditou no que tinha ouvido, e pediu para que sua filha repetisse a palavra correta, mas não conseguiu e continuou falando errado. Então começou a se irritar com o fracasso de Augusta. Por muitos minutos tentou falar e não conseguiu, já estava desesperada. As duas chegaram a casa e a mãe ao abrir a porta pediu para que a filha repetisse pela última vez a palavra correta. Sem sucesso. Mandou-a entrar novamente no carro. Catarina dirigiu pelo bairro que morava, levando com ela Augusta de passageira. A menina estava assustada e sem saber o que fazer. Catarina parou o carro na frente de um terreno baldio.
- Se você não falar certo eu te largo aqui.
Augusta ficou sem reação e se sentiu como uma gotícula de água no meio do oceano.
Na primeira tentativa errou. Mas o medo a deixou sem escolha. Já chorando com desespero respondeu:
-Sal, sal sal.
Então, elas retornaram para casa.
Algumas horas se passaram e o os ponteiros do relógio da cozinha já marcavam 20h. Catarina aguardava seu marido chegar do trabalho para começarem o desjejum noturno. Enquanto isso Augusta brincava em seu quarto com as bonecas. Tinha uma preferida, que sempre estava em seus braços. Era uma boneca de cabelos louros lisos e curtos, que havia ganhado de seus pais no Natal passado. Era possível dar mamadeira para a boneca, bastava colocar água e introduzir num furinho que tinha na boca, depois ao apertar o braço, algum dispositivo a fazia fechar lentamente os olhinhos enrugados, em seguida começava a lacrimejar e um pingo de lágrima escorria pelos olhos. Para a menina aquela bonequinha era de alguma forma real. Imaginava que era sua irmãzinha, filhinha e às vezes se tornava a babá. Também brincava com as outras bonecas de tudo que é tamanho, havia umas 10 nas prateleiras, colocadas uma sentada do lado da outra. Então, ela retirava todas as bonecas das prateleiras e colocava espalhadas pela cama e chão do quarto, depois fingia ser professora delas e então começava a aula. Era algo muito meigo, parecia uma pequena adulta.
As salsichas enlatadas estavam fervendo na água da panela. Uma comida comum de semana da família. A tampa da lata era retirada, então a lata com as salsichas cruas era introduzida na panela com água fervendo. As salsichas eram mais molengas que aquelas que são retiradas do pacotinho de plástico cozidas direto na água. Elas desmanchavam mais, e era mais finas e curtas.
O som dos pneus do carro deslizava na calçada preta que fora recentemente passada cera, rezingava até que o carro parasse. Augusta ouviu seu pai chegar, sabia que o barulho produzido vinha da calçada de sua casa, uma algazarra de pneus que observava diariamente, havia se tornado um som familiar. Largou as bonecas e foi lavar as mãos na pia do banheiro. Quando desceu seus pais estavam sentados em volta da mesa cortando os pães franceses que compravam sempre na panificadora do bairro. Era uma delícia, quentes e crocantes, e macios por dentro. Serviam-se da salsicha que ainda borbulhava na panela quente retirada do fogo. Naquele momento de desjejum a família parecia feliz, sem discussões, todos estavam bem humorados.
Após o jantar Augusta ajudou sua mãe a retirar as coisas da mesa. Colocou a louça na pia da cozinha e ali deixou, pois a mulher que trabalhava como faxineira da casa limparia no dia seguinte.
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